RELATÓRIO DE GESTÃO JUNHO 2022
Turbulência, disciplina e oportunidades
Comentários Gerais
Nos últimos meses, os mercados foram tomados por uma tempestade, com diversos choques ocorrendo de maneira simultânea e potencializando um ao outro: (i) a desorganização das cadeias produtivas globais, (ii) inflação em níveis persistentemente altos como um fenômeno mundial, (iii) o início do aperto das condições financeiras pelos principais bancos centrais desenvolvidos para combatê-la, (iv) a guerra na Ucrânia, (iv) o grave desequilíbrio entre oferta e demanda nos mercados de petróleo, gás e derivados, assim como a escassez em diversas outras commodities, entre outros.
Tais choques ocorreram num momento em que os mercados dos países desenvolvidos se encontravam particularmente vulneráveis, após excessos ao longo de 2021. Alguns cantos dos mercados soavam alarmes claros: empresas de SaaS (Software as a Service) em níveis de valuation incompreensíveis, o frenesi dos SPACs, o fenômeno das meme-stocks, pessoas físicas inexperientes sendo encorajadas por novas corretoras a especular com opções e criptomoedas com alavancagem, etc. A tempestade resultou em um verdadeiro massacre nestes nichos mais especulativos dos mercados, onde quedas de 60% a 90% dos pontos mais altos se tornaram lugar-comum.
Nos nossos fundos, seguindo a nossa filosofia e a racionalidade como sempre, conscientemente nos mantivemos longe destes nichos de mercado. À medida em que o medo se alastrou, porém, mesmo as ações de boas companhias têm sofrido – embora em menor grau. De acordo com um relatório recente da corretora Schwab[1], no último dia 6 de maio, as empresas contidas nos índices S&P 500, Nasdaq e Russell 2000 registravam quedas médias em relação aos preços mais altos dos últimos 12 meses de respectivamente -27%, -48% e -47%.
Na condição de coinvestidores mais concentrados em nossos fundos – já que, dentre todos os cotistas, temos as maiores parcelas dos nossos patrimônios pessoais investidos nos fundos – claramente não estamos satisfeitos com as variações negativas recentes. No entanto, como costumamos dizer, para investidores em ações a volatilidade não é uma opção, mas sim uma certeza. Como sempre ressaltamos ao longo da história da IP, antes de mais nada, buscamos evitar perdas permanentes. Se os valores dos negócios estiverem intactos, os preços inevitavelmente voltam a acompanhar a sua evolução.
Perspectivas
No mercado americano, o medo dos investidores com a possibilidade de uma recessão e de futuros aumentos de juros fez com que, em um intervalo de poucos meses, as ações de alguns dos negócios que mais admiramos tenham “voltado no tempo” para níveis de alguns anos atrás – a despeito de muita geração de valor desde então.
Temos plena consciência de que a economia americana está no início de um processo de ajuste. É preciso ter cuidado com o falso barato. Os sofrimentos operacionais de algumas empresas esse ano foram relacionados ao fim da pandemia, e, em alguns casos, na hesitação dos consumidores pelo aumento da inflação, mas ainda não sentimos os efeitos operacionais do aperto do Fed. Para manter o fôlego e ter munição no caso dos preços ficarem ainda mais baixos, nos últimos meses temos carregado proteções como put spreads no S&P 500 e no Nasdaq, posições tomadas em juros nos Estados Unidos e também posições compradas em petróleo.
Num momento em que os investidores têm tantas incertezas sobre a economia, e encurtam seus horizontes, é útil voltar para os fundamentos que empurram o crescimento das nossas empresas e lembrar do que não vai parar. A propaganda, por exemplo, não vai parar de se digitalizar, porque assim gera mais retorno para os anunciantes. As empresas vão continuar a migrar para a nuvem, porque assim economizam capital e conseguem operar de forma mais ágil. O e-commerce vai continuar a penetrar o varejo, porque traz mais seleção e conveniência para os clientes. A demanda por banda larga só vai aumentar, dado o apetite insaciável por dados que cada nova geração de mídia nos traz. Fora dos bits, o mundo da medicina vai continuar a viver a revolução dos medicamentos biológicos, o que gera uma corrida por pesquisa e instrumentação pelas empresas farmacêuticas. Esses são alguns dos motores que empurram as nossas empresas. Vão continuar porque são formas mais produtivas de fazer as coisas. E, hoje, nós podemos participar dos líderes dessas transformações a preços ainda mais interessantes.
No mercado acionário brasileiro, as ações já vinham sofrendo com aumentos expressivos na taxa de juros local, além dos conhecidos problemas que o país sempre enfrenta na seara política e econômica. Após um período de underperformance, a crise global recente empurrou muitas ações de bons negócios brasileiros para níveis ainda mais baixos. Se anos atrás tínhamos dúvidas se os retornos esperados eram suficientemente altos para compensar todos os ventos contrários inerentes ao país, hoje nos parece que há bastante gordura para aguentarmos os frequentes desaforos.
Períodos de maior turbulência nunca são agradáveis de serem atravessados, mas o medo e o estresse nos mercados são um dos principais ingredientes para o surgimento de boas oportunidades e, consequentemente, bons retornos futuros. Atentos a isso, com a devida disciplina, paciência e cautela de sempre, temos feito ajustes pontuais nos portfólios.
A seguir, comentamos sobre cinco posições que tiveram contribuições negativas para os fundos no período, uma das quais encerramos: Meta (antes, Facebook).
Meta
No começo de 2022, encerramos nosso investimento em Meta, que fazia parte dos fundos desde 2018. O principal motivo foram as evidências crescentes de impacto competitivo advindo do TikTok e as consequências de primeira e segunda ordem para a empresa.
De primeira ordem, temos a competição por tempo, que se tornou mais dura dada a incrível habilidade da plataforma do TikTok em absorver a atenção dos seus usuários. Enquanto, até agora, o formato de short-form video teve mais sucesso com jovens, acreditamos que seja de apelo universal e que irá continuar a penetrar públicos mais velhos ao redor do mundo – o que já é visível na evolução do perfil dos usúarios do TikTok.
A Meta já vinha reagindo ao TikTok com a iniciativa do Reels no Instagram, mas, ao contrário da ameaça do Snapchat e os Stories, deixou o inimigo atual ganhar muita escala. Os efeitos de rede entre usuários e criadores de conteúdo no TikTok já se tornaram poderosos, o que torna essa briga longa e difícil. Estimamos que, no primeiro trimestre de 2022, o público americano passou vinte vezes mais tempo assistindo TikToks do que Reels no Instagram.
As consequências de segunda ordem são diversas. Para brigar, a Meta tem corretamente acelerado a adoção dos Reels dentro do Instagram e do Facebook. Só que, com isso, troca superfícies altamente monetizadas (Feed e Stories) por uma nova pouco monetizada, o que contribui para uma forte desaceleração no crescimento de receitas para apenas um dígito em 2022 – frente a 37% em 2021.
A atenção capturada pelo TikTok, por sua vez, se apresenta como uma nova e promissora fronteira para os anunciantes, o que leva a ajustes de orçamentos de propaganda para a sua direção e adiciona mais risco para o crescimento futuro de receitas do Facebook e do Instagram.
Se as receitas enfraqueceram, os gastos se aceleraram. A Meta está promovendo uma expansão de mais de 20% nos custos e despesas e de mais de 50% nos investimentos em capital fixo este ano para modernizar os aplicativos, atrair criadores de conteúdo para o Reels, e superar desafios de mensuração e targeting impostos pela Apple com as novas regras de privacidade para o iOS.
Isso tudo acontece enquanto a empresa planeja acelerar por anos à frente os gastos no Reality Labs – divisão que trouxe US$10 bilhões em prejuízo operacional em 2021 – com a ambição de criar uma nova plataforma computacional baseada em realidade virtual e aumentada. Um investimento com expectativa de retorno distante e incerto.
O crescimento do TikTok não é nenhuma novidade. É um risco que monitoramos e citamos como o mais importante do investimento quando escrevemos sobre Facebook no relatório de agosto de 2020. Víamos como tolerável dada as diferenças de perfil e utilidade dos aplicativos, com seus próprios e enormes efeitos de rede, e as até então fracas evidências de canibalização do tempo de uso do Facebook e do Instagram. À medida que a combinação desfavorável de fatores ficou mais clara – em especial, os efeitos de segunda ordem citados acima – reduzimos o investimento até o ponto de encerrá-lo no início de fevereiro. Da montagem inicial da posição ao longo de 2018 ao nosso preço médio de venda, as ações renderam 61% e ficaram entre as cinco maiores contribuições para os fundos no período.
Continuamos a ver grandes méritos no negócio e na liderança. Zuckerberg superou enormes desafios na sua trajetória e se mostrou certeiro em decisões estratégicas polêmicas no passado. Por mais que, do nosso preço médio de venda, as ações tenham caído cerca de 40% nos últimos meses, temos preferido alocar recursos em outras oportunidades enquanto seguimos atentos à evolução da empresa.
Netflix
Netflix foi o principal detrator de performance no ano. Depois de uma brutal aceleração de crescimento ao longo de 2020, seguida de uma moderação esperada ao longo de 2021, 2022 se configurou como um ano importante para definir se a companhia conseguiria manter uma tendência de crescimento histórica até então extremamente consistente.
Entre os 37 milhões de assinantes adicionados em 2020 – turbinados pelo lockdown – e os 18 milhões adicionados em 2021, a empresa adicionou uma média de 27 milhões de assinantes nos últimos dois anos, número praticamente igual aos 29 e 28 milhões de assinantes que a Netflix adicionou, respectivamente, em 2018 e 2019.
Considerando, também, que os 8,3 milhões de assinantes adicionados no último trimestre de 2021 se equipararam aos trimestres equivalentes dos três anos anteriores[2], nos parecia razoável assumir que a antecipação de demanda provocada pela pandemia em 2020 havia se revertido ao longo de 2021, reunindo as condições para um crescimento mais normalizado em 2022. Não foi o que aconteceu.
Tendo previsto uma adição já modesta de 2,5 milhões de assinantes para o primeiro trimestre de 2022, a companhia conseguiu apenas 500 mil assinaturas[3] no período e projetou uma perda de 2 milhões de assinantes para o trimestre seguinte (a empresa ainda prevê crescimento na base de assinantes para o ano completo de 2022).
Os resultados abaixo do esperado geraram preocupações de saturação e competição e fizeram o mercado drasticamente reduzir a expectativa de crescimento futuro de usuários. Isso, somado a um contexto de custo de capital crescente, que impacta especialmente negócios com menor lastro de geração de caixa imediato, explica a queda expressiva da ação.
Nós subestimamos o impacto que um período econômico como o atual poderia ter no crescimento do negócio e reconhecemos que uma moderação da taxa de crescimento futuro da empresa seja justificada. Entretanto, no valuation atual a ação está sendo precificada como se a oportunidade de crescimento da companhia tivesse se esgotado. Nós discordamos.
Acreditamos que o fator preponderante por trás do aumento na taxa de cancelamento (churn) nos últimos meses[4] – que, junto do fim da pandemia, foi principal fator para a desaceleração recente – foi a combinação de aumentos de preço praticados pela empresa em diversos mercados no início do ano com um ambiente de aceleração inflacionária ao redor do mundo[5]. O usuário, já apertado por aumentos generalizados de preço, aproveitou uma das vantagens do serviço frente à TV a cabo: a facilidade de cancelá-lo.
No curto prazo, pequenas variações nas taxas de cancelamento podem causar impactos relevantes no crescimento de assinantes de um dado trimestre[6]. Apesar do aumento recente, a Netflix possui o menor nível de churn entre todos os serviços de streaming por uma considerável margem. Nos Estados Unidos, de longe o mercado mais competitivo, o churn estimado da empresa é quase 3x menor do que a média da indústria:
Fonte: Antenna Data
O surgimento recente de novos serviços naturalmente aumenta a disputa pelo bolso e pela atenção dos usuários. Porém, não há evidências de que usuários estejam substituindo a Netflix por outros serviços, corroborando a hipótese de que esses serviços são complementares. Dados agregados de audiência também não sugerem migrações de engajamento relevantes para outras plataformas de streaming.
Outros fatores nos parecem mais importantes para explicar as dificuldades da empresa, como: i) a ausência de novos hits virais na plataforma mais recentemente, ii) barreiras à adoção de internet banda larga e menor renda disponível em mercados menos desenvolvidos, iii) vendas de smart TVs deprimidas em função do desarranjo nas cadeias de suprimento globais, e iv) uma penetração real mais alta em virtude do compartilhamento de senhas. Para nós, são todos problemas superáveis. A hipótese de que a oportunidade de crescimento da empresa possa ter se esgotado, ou a premissa implícita de que o mercado de streaming irá saturar com menos da metade das famílias que pagam por uma assinatura de TV[7] é algo que nos parece improvável.
A Netflix ainda está penetrando um mercado enorme de mais de 700 milhões de famílias que tomam a decisão discricionária de pagar por um plano de TV a cabo todo mês. A possibilidade de oferecer planos com anúncios, apesar de incipiente e cheia de incertezas, também deverá habilitar a empresa a acessar um mercado consideravelmente maior. Além disso, a companhia já identificou 100 milhões de contas que utilizam o serviço por meio do compartilhamento de senhas dos 222 milhões de assinantes pagantes. Como já se tratam de usuários ativos, eventuais sucessos de monetização dessas contas virão sem custos marginais associados, implicando em margens incrementais altíssimas.
A empresa de fato possui desafios relevantes para os próximos anos. A reorganização em curso do time de conteúdo à luz da necessidade de trocar volume por mais hits, junto das duas iniciativas mencionadas acima, irão colocar a capacidade de execução da empresa à prova. Elas ilustram, por outro lado, o alto grau de flexibilidade estratégica à disposição da companhia.
Quando consideramos a oportunidade de penetração ainda existente, a ausência de evidência de uma inflexão competitiva relevante, as alavancas de crescimento disponíveis, o track record invejável de pivôs bem sucedidos praticados por um dos melhores times de executivos que conhecemos e um preço que embute um futuro excessivamente pessimista, acreditamos que a empresa reúne as características necessárias para continuar a fazer parte dos portfólios.
Charter
Assim como Netflix (e outros negócios que foram inicialmente beneficiados pela pandemia), a Charter viu uma aceleração substancial no crescimento de assinantes ao longo de 2020-2021, seguida de uma desaceleração relevante nos últimos trimestres.
Além disso, depois de cinco anos em que as empresas de Cable absorveram a totalidade do crescimento marginal de assinantes de banda larga nos Estados Unidos, as promessas das Telcos de acelerar o upgrade de suas redes de cobre por fibra ótica fez ressurgir uma narrativa de competição até então adormecida.
Apesar de compartilharmos da preocupação, a magnitude da correção nas ações é substancialmente maior do que o impacto potencial que enxergamos para o valor do negócio.
Primeiro, acreditamos que a desaceleração de crescimento recente seja principalmente uma função do mercado, ao invés de uma dinâmica competitiva materialmente diferente dos últimos anos. Além do crescimento antecipado por conta da pandemia, a desaceleração nas vendas de casas existentes no mercado americano naturalmente reduz as oportunidades de ofertar planos, impactando desproporcionalmente share-takers como a Charter.
Nos últimos trimestres, por exemplo, a diminuição na taxa de adição bruta de assinantes (gross adds) na Charter foi igual entre mercados que possuem uma alternativa de fibra (38% da planta da empresa) e mercados onde a Charter é efetivamente monopolista (62%). Isso, em conjunto com níveis de churn nos menores patamares dos últimos anos, ilustra que a desaceleração não foi provocada por uma inflexão competitiva. A empresa corroborou esse argumento ao divulgar, recentemente, que o ritmo de aumento de sobreposição com fibra não se alterou significativamente nos últimos dois anos.
Isso não significa, claro, que esse ritmo não pode acelerar nos próximos anos. Porém, apesar de considerar as promessas de construção de fibra das Telcos em nossas estimativas, somos céticos de que a totalidade dos compromissos assumidos será cumprida. Os upgrades realizados até hoje tiveram dificuldade de produzir um retorno acima do custo de capital – e esses naturalmente priorizaram mercados mais atrativos, com densidade populacional mais alta e menor necessidade de construção subterrânea. Os próximos necessariamente terão de ser feitos em regiões menos atrativas. Esse fato, somado ao contexto atual de inflação alta, gargalos de cadeias de suprimentos, restrição de mão de obra qualificada e custo de capital crescente explica nosso ceticismo.
Os economics inferiores significam que esses projetos de fibra irão demandar preços mais altos, o que também reduz o impacto potencial para a Charter, que possui os menores preços de internet entre as empresas de Cable do país. A entrada recente no segmento de telefonia móvel, embora incipiente, também se configura como um importante elemento adicional de proteção competitiva. O acordo de atacado com a Verizon[8] permite que a Charter (e a Comcast) venda planos de telefonia celular junto ao pacote de internet banda larga para toda a base de assinantes sem a necessidade de construir uma rede nacional. Além disso, oferece a possibilidade de instalar células de rede próprias de forma oportunística em regiões de alto consumo, o que permite devolver parte do tráfego de dados que passaria pela rede da Verizon de volta para a rede da empresa a um custo extremamente baixo, barateando ainda mais o que já é um acordo vantajoso para a companhia. Como resultado, a Charter hoje já oferece planos de telefonia móvel a custos substancialmente inferiores às Telcos incumbentes e, junto da Comcast, tem capturado a maior parcela do crescimento marginal do setor.
Não acreditamos, tampouco, que a intensidade de capital do negócio irá aumentar significativamente – um risco frequentemente citado. Vemos boas evidências de que a próxima iteração da rede[9] será capaz de entregar uma performance comparável à fibra a custos marginais bem inferiores. Ainda assim, monitoramos a questão de perto.
Somando os fatores acima, a queda recente das ações nos parece excessiva. Nos preços atuais, Charter negocia a cerca de 10x a geração de caixa livre para o ano que vem – múltiplo semelhante à Telcos como Verizon e AT&T, que possuem negócios inferiores, muito mais competitivos e que não crescem há uma década.
Por esses motivos, Charter continua sendo uma posição relevante nos fundos.
Charles Schwab
Quando escrevemos sobre a Charles Schwab no relatório de gestão do final de 2019, a companhia administrava por volta de US$ 5,5 trilhões e tinha 24,4 milhões de clientes, quando somada à recém adquirida TD Ameritrade. Passado um pouco mais de dois anos, no encerramento do primeiro trimestre de 2022, os ativos sob custódia saltaram para US$ 7,9 trilhões e o total de clientes atingiu 33,6 milhões, um crescimento de 44% e 37%, respectivamente. Do incremento de patrimônio administrado, US$ 1 trilhão veio de captação e US$ 1,4 trilhão da valorização do estoque de ativos. Nenhuma outra instituição financeira no mundo captou mais de clientes pessoa física do que a Schwab nesse período.
Do ponto de vista de faturamento, dois efeitos importantes ocorreram nos últimos dois anos – e que devem se inverter daqui em diante. Nas receitas de trading (cerca de 20% do total), a companhia foi beneficiada por um período de maior atividade dos clientes. Nos resultados de intermediação financeira (cerca de 50% do total)[10], a companhia sofreu com o cenário de juros baixos.
Com os aumentos esperados de juros daqui para frente, a companhia terá um vento favorável de crescimento de receita, mesmo considerando a desaceleração esperada nas atividades de trading. Somado a isto, a Schwab ainda está extraindo sinergias operacionais da sua fusão com a TD Ameritrade. Por exemplo, grande parte dos sistemas de retaguarda das duas empresas combinadas ainda funcionam de forma segregada.
Com receitas crescentes e sob uma base de custos mais eficiente, a companhia deve ter um salto importante de lucratividade de 2022 em diante.
Desde que fizemos o investimento na companhia em 2019, as ações da Schwab sobem por volta de 45% (de $42 para $61 por ação). Em 2022, as ações caem em torno de 25%.
Amazon
“Qual companhia possui mais ferrovias: Amazon ou Union Pacific?” @willis_cap, em sua conta do Twitter.
Apesar de parecer uma pergunta sem fundamento, a provocação em tom de brincadeira faz sentido. O que a Amazon vem fazendo desde sua criação é a construção de dois grandes trilhos de infraestrutura. Um do mundo dos átomos e outro dos bits. No primeiro, vem construindo um dos maiores sistemas logísticos do mundo, com quase 1.200 centros de distribuição[11], responsável por entregar, em menos de 2 dias, milhões de produtos até o consumidor final. No segundo, possui a liderança no serviço de computação na nuvem, permitindo que companhias de todos os tamanhos tenham escala computacional e de armazenamento de dados, sem precisar construir e manter seus próprios equipamentos internos de TI.
Apesar de apresentarem forte crescimento de receita desde o início da pandemia, essas duas infraestruturas têm tido realidades distintas em termos de resultado operacional. A operação de e-commerce vem passando por um período de baixa lucratividade, apesar da enorme vantagem de escala e domínio competitivo, com mais de 40% de market share nos EUA. Por sua vez, o negócio na nuvem – AWS – segue crescendo a taxas elevadas[12] e já em ritmo de cruzeiro do ponto de vista de margem operacional e retorno sobre o capital investido (ambos ao redor de 30%).
O negócio de compras online, que já foi o principal ganha-pão da companhia, tem perdido cada vez mais relevância dentro dos resultados consolidados. Antes da pandemia, cerca de 40% do lucro operacional da Amazon vinha da divisão de e-commerce. Esse número caiu para 25% em 2021. Em 2022, a contribuição deve ser negativa para o resultado do grupo. Essa é uma das principais razões para a ação ter caído quase 40% esse ano.
Basicamente, o que tem prejudicado a divisão de e-commerce é uma forte pressão de custos. Para suportar um crescimento de 64% em vendas (medido por GMV) nos últimos 2 anos, a companhia expandiu de forma significativa a sua infraestrutura logística. Nesse mesmo período, o seu footprint logístico aumentou em 95% e o número de funcionários saltou de 800 mil para 1,6 milhões. Além disso, teve também que subir o salário base em 20% nos EUA, de $15 para $18 a hora, em grande parte devido ao cenário atual de pleno emprego observado no país. Para piorar, a forte expansão de mão-de-obra em período tão curto gerou problemas de produtividade. Em outras palavras, a companhia entrou em 2022 com uma estrutura de custos fixos maior e com uma força de trabalho em ritmo de produção aquém do ideal.
Somando os desafios macroeconômicos atuais, como o aumento de preço do combustível e os gargalos nas cadeias globais de suprimentos, temos uma tempestade perfeita para o negócio de vendas online da Amazon.
Ainda assim, a maior parte do impacto se deveu a questões internas. De acordo com a companhia, o choque macroeconômico explica apenas um terço da pressão de custos.
A pergunta que fica é por que a Amazon investiu tão mais rápido na sua infraestrutura, em ritmo superior ao seu crescimento de vendas. Teria sido um erro de planejamento? É provável, mas vemos mais nessa história. O que está por trás dessa forte expansão é um objetivo que fica cada dia mais claro. Da mesma forma que o AWS se transformou de um centro de custos para a principal fonte de lucro da companhia, ao que tudo indica a Amazon vai usar essa mesma fórmula para o seu sistema logístico, ampliando o leque de serviços disponíveis. Nessa próxima fase, os trilhos de infraestrutura da Amazon permitirão uma nova possibilidade de conexão entre compradores e vendedores.
Buy with Prime
Em abril deste ano, a Amazon fez um dos anúncios mais importantes para a sua base de clientes desde o lançamento do Prime em 2005. A partir de agora, a companhia pretende estender os benefícios da sua assinatura Prime – entrega em até dois dias sem custo de frete e devolução – para além do seu site próprio. Em outras palavras, qualquer pequeno site de e-commerce em breve poderá contratar os serviços logísticos da Amazon e oferecer para o seu cliente uma solução de checkout chamada “Buy with Prime”. Por meio dela, o cadastro do cliente Prime, com endereço e número do cartão, assim como toda a conveniência e rapidez de entrega do produto até a residência do cliente ficarão sob responsabilidade da Amazon[13].
Com essa nova funcionalidade, os vendedores terão uma ferramenta poderosa para aumentar a conversão de vendas dos seus sites. Para os mais de 200 milhões de assinantes Prime, os benefícios também são relevantes. Eles poderão contar com a facilidade de pagamento e velocidade de entrega do padrão da Amazon, disponível agora também em inúmeras lojas online.
Para a Amazon, o “Buy With Prime” aumenta seu alcance para áreas do e-commerce que dificilmente seriam acessíveis com seu modelo tradicional. Ironicamente, quem pode perder alguma força é o próprio site/app da Amazon, agora que um dos seus principais trunfos será oferecido para terceiros. Para o cliente Prime, o “Buy with Prime” é música para os ouvidos. O benefício em ser assinante torna-se ainda maior daqui em diante.
Para o resultado operacional da divisão de e-commerce, as receitas incrementais do “Buy with Prime”, pagas integralmente pelos vendedores, devem aumentar também a eficiência do seu sistema logístico. Um volume maior de encomendas aumenta a densidade das rotas de entrega, otimizando o principal custo de toda e qualquer operação logística – a última milha.
O “Buy with Prime” nada mais é do que o bundle de uma carteira digital de pagamento integrada a um robusto serviço logístico. Esse último componente é um diferencial importante frente a outras soluções de checkout online, como Shopify Pay e PayPal. Enquanto estes possuem know-how de sobra no mundo dos bits, a Amazon é uma das únicas empresas de tecnologia disposta e capaz de sujar as mãos de graxa no mundo dos átomos e tirar o melhor proveito da união desses dois pólos.
Aleatórias
“I don’t need a ride, I need ammunition.”
– Volodymyr Zelenskyy
“The pain of discipline is always less than the pain of regret.”
– Nido Qubein
“Lack of ‘FOMO’ has to be one of the most important investing skills.”
– Morgan Housel
“God is getting just”
– Charlie Munger, comentando sobre o declínio da corretora Robinhood.
“I’ve had my Berkshire stock decline by 50% three times. It doesn’t bother me that much. That’s just a natural consequence of an adult life.”
– Charlie Munger
“The most important quality for an investor is temperament, not intellect. You need a temperament that neither derives great pleasure from being with the crowd or against the crowd.”
– Warren Buffett
“I wish I had known that this too shall pass. You feel bad right now? You feel pissed off? You feel angry? This too shall pass. You feel great? You feel like you know all the answers? You feel like everybody finally gets you? This too shall pass. Time is your ally. Just wait it out.”
– Tom Hanks, quando perguntado que conselho daria a si mesmo em sua juventude.
“It is not adverse macro events that derail compounding: it is investor’s reactions to them.”
– Akre Capital
Notas de Rodapé
[1]https://www.schwab.com/learn/story/market-perspective
[2] No quarto trimestre de 2018, 2019 e 2020, a
Netflix adicionou, respectivamente, 8,8 milhões, 8,8 milhões e 8,5 milhões de assinantes.
[3] Ajustando pela perda de 700 mil assinantes causada pela exclusão do serviço na Rússia.
[4] Historicamente, o churn sempre cresce em períodos de aumento de preço e normaliza nos meses seguintes, conforme o novo preço é digerido pela base de assinantes.
[5] De acordo com dados do FMI, mais de 70% dos países em desenvolvimento e mais de 40% dos países desenvolvidos apresentam uma inflação acumulada de 12 meses superior a 5%.
[6] No entanto, os 2 milhões de assinantes que a companhia estima perder no próximo trimestre, por exemplo, equivalem a 0,9% da base de 222 milhões de assinantes pagos.
[7] Já considerando os 100 milhões de assinantes que compartilham senhas.
[8] O acordo de operador móvel virtual (MVNO, ou mobile virtual network operator, em inglês) contempla a utilização da rede da Verizon a um custo variável atrelado ao preço de varejo da companhia.
[9] Os testes mais recentes do DOCSIS 4.0, a próxima evolução do padrão DOCSIS, demonstraram que a tecnologia é capaz de entregar velocidades de até 10 Gbps (downstream) e 6 Gbps (upstream).
[10] Grande parte vem do rendimento sobre os depósitos em conta corrente dos clientes (receita sobre o float).
[11] O que inclui fulfillment centers, sortation centers, delivery stations e Prime Now hubs.
[12] De 2019 a 2021, as receitas do AWS subiram 78%.
[13] Mesmo com toda essa operação de compra realizada sob a chancela da Amazon, ainda assim o dono do site terá acesso aos dados do cliente.
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