MAIO - AGOSTO 2021
Nossos erros: Não há progresso sem reflexão
“Nosso Vice-Presidente, Charlie Munger, sempre enfatizou o estudo de erros em vez de sucessos, tanto nos negócios quanto em outros aspectos da vida. Ele faz isso no espírito do homem que disse: ‘Tudo que eu quero saber é onde vou morrer para nunca ir lá.’
Você verá imediatamente por que formamos uma boa equipe: Charlie gosta de estudar erros e eu gerei um amplo material para ele, especialmente em nossos negócios têxteis e de seguros.”
– Warren Buffett, no Relatório Anual da Berkshire Hathaway de 1985
Em relatórios anteriores, descrevemos casos que geraram resultados importantes para os fundos nos últimos anos, como Charter, Google, Facebook, Charles Schwab e Netflix. Desta vez, pensamos em abordar algo diferente. Decidimos compartilhar o espírito das nossas avaliações semestrais, contando alguns dos nossos erros em investimentos.
Abaixo, contamos alguns casos em que “trocamos os pés pelas mãos”, e os aprendizados que tiramos deles.
Anheuser-Busch InBev (ABI)
ABI foi um investimento que esteve em nossas carteiras por 5 anos, de 2015 a 2019. Atingiu um tamanho máximo ao redor de 6,5% dos fundos em 2018. Antes disso, tínhamos investido na companhia em diferentes momentos, auferindo bons resultados. De certa maneira, os ganhos anteriores plantaram a semente do nosso erro, como descrevemos a seguir.
Em 2016, a ABI fechou a maior aquisição da sua história, a SABMiller, por um valor de US$ 103 bilhões. A companhia nunca tinha pagado tão caro por um ativo quanto esse – por volta 27x EV/EBITDA PDM[1] . Apesar do valuation elevado, a companhia tinha conseguido financiar mais da metade do pagamento por meio de uma emissão de dívida longa e com um custo financeiro baixo (entre 3%-4% a.a.).
Nas nossas contas, a compra alavancada por dívida barata tornava o retorno esperado da aquisição interessante. Considerando o histórico impecável de aquisição e integração do time da ABI, imaginávamos que as metas de sinergias seriam facilmente atingidas e ultrapassadas, o que parecia nos dar margem de segurança. Além disso, a SABMiller forneceria à ABI acesso a novos mercados com posições competitivas dominantes e de maior crescimento estrutural, como países na África e América do Sul (ex-Brasil).
Naquela época, a ABI reportou resultados fracos nos seus dois maiores mercados: Brasil e EUA. Por conta disso, o bônus dos principais executivos da companhia foi cortado de forma dura. Adicionalmente, a ABI anunciou dois planos extraordinários de incentivos aos executivos, com mais de 20 milhões de opções a serem distribuídas condicionadas a metas de crescimento e EBITDA[2] . Para nós, era bom ver o management da companhia “mordido” e alinhado desse jeito. A combinação nos agradava: time e cultura corporativa formidáveis, com a faca nos dentes, gerindo uma coleção de marcas regionais dominantes, e agora – com a SABMiller – viraria dona de 30% do mercado global de cerveja e 50% dos lucros. O que poderia dar errado?
Essencialmente, dois fatores foram bastante frustrantes nos anos seguintes: (i) o fraco crescimento do consumo global de cerveja; e (ii) a desvalorização das moedas dos mercados emergentes, onde estavam boa parte das receitas e do crescimento do grupo.
Quanto ao crescimento de volumes, tanto o Brasil quanto os EUA continuaram apresentando resultados medíocres. No Brasil, a companhia tinha exercido boa parte do seu pricing power na última década e agora encontrava dificuldades para repassar preços. Devido à depressão econômica que o país vivia, muitos consumidores migraram seu consumo de cerveja para marcas mais baratas. Nos EUA, os hábitos de consumo também estavam mudando, mas em direção oposta à do Brasil, com cervejas artesanais de posicionamento premium ganhando share. Em outras palavras, a competição no Brasil mordeu por baixo e nos EUA, por cima.
Ao mesmo tempo, as regiões promissoras da SABMiller como África do Sul, Peru, Colômbia, Chile, entre outras, tiveram crescimentos mais modestos do que imaginávamos. Os poucos mercados que estavam destoando positivamente, como México e China, não conseguiam sozinhos carregar o volume consolidado nas costas.
Outro importante agravante foi a contínua desvalorização das moedas de países emergentes. Enquanto grande parte da receita da ABI vinha de países em desenvolvimento, seu endividamento era em moeda forte (dólar e euro). Esse descasamento entre receitas e dívida se tornou perverso. A companhia, com cerca de US$ 100 bi de dívida líquida, encontrava grande dificuldade para se desalavancar.
Esse arranjo fez com que o negócio não fosse para lugar nenhum, mesmo com a adição de sinergias acima das expectativas. Sem conseguir crescer e reduzir seu endividamento, o mercado passou a exigir um prêmio maior de risco para investir na companhia. O múltiplo da ação, que negociava por volta de 23x o seu fluxo de caixa livre após a fusão, comprimiu para 17x em 2019. Aos poucos, percebemos que estávamos em uma armadilha e decidimos encerrar a posição.
Podemos destacar três pontos em especial que erramos nesse caso. Primeiro, questionamos pouco a capacidade de crescimento estrutural do mercado de cerveja global. Ela se provou bem mais modesta e correlacionada com acontecimentos macroeconômicos do que prevíamos.
Segundo, subestimamos como um descompasso entre ativo e passivo poderia acabar lentamente com o nosso retorno. Sabíamos de antemão do risco de descasamento de dívida com as receitas. Avaliamos o risco de default como baixo, mas subestimamos a possibilidade de um sofrimento crônico. Devido à já considerável desvalorização das moedas de países emergentes nos anos anteriores, de 2012 a 2016, acreditávamos que o pior teria ficado para trás. A verdade é que a situação só piorou, com o dólar cada vez mais forte de 2016 a 2019 – provocando um arrasto persistente sobre os lucros. A combinação de receita fraca e dívida crescente estagnou a empresa.
Terceiro, a confiança em excesso no time nos deixou míopes. Nossa admiração pelo track record de geração de valor da ABI afetou a nossa capacidade de julgamento do investimento. Estávamos cientes dos riscos, mas acreditávamos que a gestão da companhia seria capaz de surpreender frente a eventuais adversidades.
M. Dias Branco
Investimos em M.Dias Branco (M.Dias) por pouco mais de um ano, do final de 2017 ao início de 2019. Foi um investimento de porte médio, que atingiu por volta de 4% dos fundos em meados de 2018.
A M.Dias era um caso claro de sucesso e geração de valor desde o IPO. Tinha conseguido fazer boas aquisições e consolidar bastante o seu mercado. Além de ter feito boas aquisições, teve êxito em ganhar share de forma orgânica. Em 2006, a companhia detinha 14% e 16% do mercado de biscoitos e massas[3] respectivamente, e esse percentual saltou para 32% em ambas as categorias em 2017. Seu lucro cresceu 16% ao ano durante esse período.
Tínhamos também admiração pelo modelo verticalizado construído pela M.Dias. No upstream da cadeia, a companhia detém uma operação industrial eficiente, da moagem do trigo até o produto final, com diversos parques fabris integrados.
Víamos espaço para ganhos adicionais de market share, para além do Nordeste, com domínio competitivo e a um valuation que julgávamos razoável.
O período em que investimos foi marcado por dois eventos. Em 2018, o preço do seu principal insumo, o trigo, iniciou um forte ciclo de alta, subindo mais de 25% frente ao ano anterior. Pela primeira vez desde o IPO, a companhia registraria uma queda de seus lucros, em bases anuais. Nesse mesmo ano, a M.Dias realizou a sua maior aquisição, a Piraquê, num valor de R$ 1,6 bilhão. Ao contrário da ABI, a companhia possuía caixa líquido em seu balanço e conseguiria absorver com facilidade o novo ativo.
O que víamos na época
Em anos anteriores, como entre 2011 e 2013, a M.Dias foi hábil em repassar a alta do trigo para os seus consumidores. Biscoitos e massas são itens de tíquete médio baixo, com poucos substitutos mais baratos. Sabíamos que o ajuste não seria imediato, mas julgávamos o problema como conjuntural e não estrutural.
A aquisição da Piraquê, por sua vez, foi um pouco mais cara do que as aquisições anteriores[4], mas bastante complementar do ponto de vista geográfico como também dentro do portfólio de marcas da M.Dias. Se fossem entregues as sinergias de custo, o retorno da aquisição seria menor que o das aquisições passadas, mas a M.Dias tinha a oportunidade de tornar a Piraquê uma marca nacional. Acreditávamos que a companhia poderia gerar sinergias de receita relevantes com a aquisição.
O que deu errado
Ao longo de 2018, fomos surpreendidos pela dificuldade da companhia (e do setor) em aumentar preços. O brasileiro ainda sofria os efeitos da crise de 2015-2016 e, assim como no caso da Ambev, a M.Dias não conseguia exercer seu pricing power. Para nós, essa era uma grande surpresa. Biscoitos e massas são itens do dia a dia de consumo das famílias, considerados essenciais dentro de uma cesta de alimentos[5]. A dificuldade em subir preços era uma pista de que os mercados poderiam estar mais maduros do que imaginávamos.
Além disso, novas adversidades que não havíamos previsto surgiram. A M.Dias cometeu erros de execução e se tornou mais dependente do canal de atacarejo. Devido às duras negociações e às compras esporádicas desses clientes (Atacadão e Assaí), a empresa perdeu eficiência fabril e da cadeia de suprimentos.
Por fim, a M.Dias teve dificuldades no seu processo de integração com a Piraquê. As sinergias de custo demoraram mais tempo para aparecer e sabíamos que as sinergias de receita só seriam capturadas uma vez que fosse concluída toda a integração entre as duas empresas. Por isso, o retorno da aquisição se tornou pior do que esperávamos.
Como o erro de ABI nos ajudou em M.Dias
Algo que nos marcou com a ABI foi a importância de reconhecer e sair rapidamente de um investimento quando há indícios de que a tese original não está se materializando. Com M.Dias, nossa visão logo entrou em choque com a realidade e encerramos a posição.
Um conflito constante que temos que administrar na gestão de portfólio é a necessidade de (i) ter paciência e perspectiva de longo prazo para os investimentos maturarem, e (ii) não postergar a venda de investimentos caso as teses tenham enfraquecido. É mais do que comum empresas terem imprevistos no curto prazo. Não esperamos crescimento de forma linear. Os solavancos fazem parte do jogo. Buscamos ter perspectiva e não nos prender demais nos detalhes dos resultados trimestrais. Um viés exageradamente longo prazista, entretanto, pode nos levar a classificar incorretamente pioras estruturais como revezes apenas conjunturais (que o tempo se encarregaria de resolver) e a sofrer perdas importantes.
No caso de M.Dias, a ressaca dos preços elevados de trigo dura até os dias de hoje[6]. Não há nada tão ruim que não possa piorar.
Apple
Ao contrário dos casos anteriores, Apple foi um bom investimento para os fundos. Em alguns momentos, o mercado se tornou extremamente cético com as perspectivas da companhia e encontramos oportunidades de ouro. Como veremos a seguir, porém, os resultados positivos foram prejudicados por erros custosos.
Na primeira vez que investimos na Apple, nos anos de 2013 e 2014, suas ações estavam incrivelmente descontadas: o valor de mercado chegou a US$ 375 bilhões, enquanto gerava US$ 45 bilhões de caixa livre por ano e possuía US$ 144 bilhões em caixa líquido, para um múltiplo de 5x ex-caixa. As preocupações do mercado eram concentradas no ambiente competitivo, marcado pelo avanço acelerado do Android e da Samsung. A Apple, tendo recentemente perdido Steve Jobs, se via no que parecia ser uma repetição do embate entre Mac e Windows nas décadas de 80 e 90, o que motivou inúmeras previsões catastróficas na mídia e no mercado.
Detalhamos o investimento no Relatório de Gestão do 4º trimestre de 2013. Defendemos a enorme margem de segurança embutida nos preços e a boa posição competitiva da Apple, sustentada pela sua habilidade de integrar hardware com software, o círculo virtuoso já estabelecido na App Store, o seu crescente portfólio de produtos com alta satisfação de clientes, e a qualidade da sua gestão – mesmo sem Jobs. Vimos também que o principal fator de crescimento para a empresa naquele momento era a assinatura de novos contratos com operadoras de celular, e que havia duas operadoras gigantes prestes a adotar o iPhone: a japonesa DoCoMo e a chinesa China Mobile. Os acordos de fato aconteceram e aceleraram o crescimento da companhia. As ações começaram a sua recuperação já em 2013. Dois anos se passaram, e a Samsung murchou, perdendo mercado até mesmo na Coréia do Sul, após a Apple lançar iPhones com telas maiores.
Onde então erramos? Pecamos pelo excesso de conservadorismo: restringimos a posição a modestos 4% dos fundos apesar da oportunidade numa companhia que conhecíamos bem e que negociava a preços muito interessantes. Depois das ações dobrarem, vendemos e começamos a esperar por novas oportunidades.
Entre meados de 2016 e o final de 2017 investimos de novo, só que novamente com baixa exposição, sem ultrapassar 3% dos fundos. Continuávamos a reconhecer o excelente moat da companhia, só que agora combinado ao que parecia ser um negócio mais maduro, sofrendo uma ressaca desde o super ciclo do iPhone 6 em 2015. Temíamos que os smartphones tivessem ficado bons o suficiente e que, por isso, as compras dos clientes seriam menos frequentes dali em diante. Ancorados nos múltiplos históricos baixos, nos atraímos pouco pelo valuation na casa de 14x o fluxo de caixa. Erramos novamente no excesso de conservadorismo e tivemos um lucro modesto numa posição pequena. Vendo a subsequente valorização das ações, pactuamos que da próxima vez que o mercado errasse a mão na avaliação da Apple, acertaríamos com mais precisão o tamanho do investimento.
No fim de 2018, felizmente esse dia chegou. As ações da Apple iniciaram um período de queda acentuada, de mais de 30%, motivada pelas vendas fracas do iPhone XS. Em janeiro de 2019, a companhia soltou um raro alerta de que seu guidance não seria atingido por causa de vendas fracas na China. Isso parecia confirmar a percepção no mercado de que a sua posição competitiva estava enfraquecendo no país asiático, em virtude do crescimento da Huawei e da ascensão do WeChat, com seu ecossistema de official accounts e mini-programs, que rivalizava indiretamente com a App Store. O valuation veio abaixo de 10x o fluxo de caixa livre[7].
Para nós, as preocupações pareciam excessivas e amplamente compensadas pelo preço baixo. Por mais que a Apple estivesse passando por um ciclo fraco com o iPhone, as outras receitas da companhia[8] (especialmente serviços e wearables) estavam crescendo numa velocidade acelerada, mesmo na China. O switching cost da plataforma era profundo. Com cada dia mais produtos e serviços adjacentes, a Apple ficava mais integrada na vida de uma base imensa de clientes – com mais de 1,3 bilhão de aparelhos ativos na época. Víamos na empresa uma capacidade crescente de monetizar sua posição privilegiada – o que aumentava a previsibilidade do resultado, sustentava as margens e justificava múltiplos mais altos que antes. Para finalizar, a Apple executava o mais agressivo plano de distribuição de caixa que já tínhamos visto.
Investimos desta vez um percentual próximo de 8% dos fundos e fomos recompensados rapidamente. As ações se recuperaram plenamente durante 2019, com a companhia entregando resultados mais fortes do que o esperado. Ao mesmo tempo, o ímpeto da guerra comercial entre a China e os EUA crescia. Por mais que acreditássemos que o bom senso prevaleceria, o contrário poderia afetar duramente a empresa. Relutamos, mas, à medida que as ações subiram, gradualmente vendemos o investimento, acreditando que a margem de segurança havia ficado estreita.
“A primeira regra dos retornos compostos: nunca os interrompa desnecessariamente.”
– Charlie Munger
Hoje, depois de analisar melhor a nossa decisão, percebemos que novamente nos precipitamos. As ações da Apple mais do que dobraram desde a nossa venda. Ou pior, fazendo uma retrospectiva mais dura: se simplesmente tivéssemos carregado as ações desde 2013, o investimento teria se multiplicado por mais de 9 vezes.
A verdade é que cometemos um erro importante de abordagem em relação à Apple. Nos comportamos como investidores ansiosos e snipers, quando deveríamos ter melhor apreciado o ecossistema fantástico que a empresa construiu ao longo do tempo e o privilégio de sua gigantesca base de clientes fiéis e afluentes. Clientes que consomem um volume impressionante de serviços e eventualmente voltam para atualizar seus aparelhos, o que permite à empresa gerar uma montanha de caixa – como está acontecendo novamente em 2021.
O aprendizado com as vendas prematuras de Apple nos faz hoje questionar muito mais se não estamos vendendo um “cavalo vencedor” da nossa carteira. Alguns dos nossos investimentos atuais, como Google e Charter, já se multiplicaram por mais de 3 vezes desde que investimos e continuam a ser posições relevantes dos fundos.
Shoppings
Entre 2010 e 2015, obtivemos bons retornos no setor de shoppings, em particular com Multiplan e Aliansce. Em 2018, iniciamos novos investimentos, dessa vez em Multiplan e BR Malls. Em março do ano passado, tínhamos por volta de 6% do fundo IP Participações investido no somatório das duas companhias[9]. Quando a crise do COVID iniciou, reduzimos um pouco o investimento, reconhecendo a vulnerabilidade do setor. Não demorou, porém, para os preços chegarem a níveis que pareciam tão baixos que voltamos a comprar.
Pandemia
O setor teve a maior crise da sua história em 2020. As companhias foram proibidas de operar durante os momentos mais críticos da pandemia e com restrições de horário de funcionamento em boa parte de 2020, como também em 2021.
O negócio de shoppings possui uma estrutura de custos fixos baixos e margem operacional elevada. Mesmo com uma queda relevante de receitas, as companhias teriam condições de suportar o choque sem aumentar demais seu endividamento. Acreditávamos que um ou dois anos ruins de resultado não iriam mudar de forma drástica o valor do negócio. A queda forte das ações, no decorrer da pandemia, nos parecia exagerada.
Hoje, porém, mesmo com a recuperação das vendas para níveis próximos aos pré-pandemia, as ações do setor continuam nas mínimas de 2020.
O fechamento do varejo físico acelerou de maneira brutal as vendas online no Brasil e no mundo, o que era bastante previsível. O mercado brasileiro, no entanto, vem apresentando uma particularidade marcante: o ambiente competitivo tornou-se ainda mais feroz. Hoje, seis grandes plataformas (MercadoLivre, B2W, Magalu, Via, Amazon e Shopee) se digladiam por espaço, investindo como nunca e entregando produtos de forma cada vez mais rápida e eficiente para seus clientes. Além do impulso da própria pandemia, a agressividade desses seis competidores capitalizados e competentes tem tudo para continuar a acelerada migração para o e-commerce.
Continuamos a acreditar que os shoppings com excelente localização e bem geridos são bastante protegidos dessa tendência – o que ajuda Multiplan e BR Malls. Os bons shoppings continuarão tendo um papel importante na vida dos consumidores locais – não só cumprindo seu papel como destino de compras, mas também para serviços, restaurantes, entretenimento etc – e este tráfego direcionado segue sendo valioso e rentável para os lojistas.
O que ficou nebuloso, porém, são as futuras oportunidades de alocação de capital e reinvestimento dessas companhias. Novos projetos tendem a ter curvas de maturação mais lentas e expansões podem ter mais dificuldade em sair da prancheta num mundo de hiper conveniência de compras online. Em outras palavras, o motor de crescimento de valor, que levou a altas taxas de crescimento no passado, perdeu potência. Infelizmente, o negócio como um todo saiu da crise mais fraco do que entrou.
Explicar o comportamento do mercado é uma tarefa inglória, mas o fato é que os ventos contrários à performance dessas ações ficaram mais fortes. O aumento brusco da inflação recente reduziu o poder de compra do consumidor e impactou diretamente as taxas de juros longas – elevando o custo de oportunidade dos investidores para patamares mais altos que antes da pandemia. Com um motor de crescimento enfraquecido, as ações das empresas de shoppings ficaram mais vulneráveis aos ventos econômicos do país.
O que torna a discussão complexa, na ótica do investimento, é que os preços atuais de Multiplan e BR Malls já incorporam as preocupações apresentadas acima. Um descasamento entre preço e valor persiste em nossa visão.
Diante do quadro acima, decidimos diminuir a nossa exposição ao setor em 2021, alocando parte do capital para oportunidades mais claras de criação de valor.
Onde tropeçamos
É cedo para ter uma conclusão definitiva desse caso. Por enquanto, vemos dois principais erros na nossa atuação. Primeiro, independente da crise do COVID, erramos em ter mantido o investimento no setor depois da forte valorização das ações nos anos de 2018 e 2019. O que nos motivava na época eram os preços mais razoáveis dos shoppings em comparação a outras alternativas no Brasil. É claro que tudo pelo retrovisor fica mais fácil, porém, entendemos hoje que, no fim de 2019, mesmo o valuation de Multiplan e BR Malls oferecia pouca margem de segurança para os solavancos que costumam surgir no país.
Segundo, não basta superar as crises para produzir um bom retorno. O que buscamos são empresas capazes de construir valor constantemente. No calor da pandemia, nossas atenções se voltaram para a capacidade de sobrevivência de Multiplan e BR Malls, e rapidamente nos tranquilizamos. Demoramos, entretanto, para entender os riscos de segunda ordem e seu impacto não tanto nos ativos atuais, mas especialmente na trajetória futura de crescimento das companhias.
Atrito Produtivo
“Eu aprendi que todo mundo comete erros e tem fraquezas e uma das coisas mais importantes que diferencia as pessoas é a maneira como elas lidam com isso.”
– Ray Dalio
Em todo encerramento de semestre, reunimos o time para uma conversa. O objetivo é debater aspectos gerais do grupo, apontar o que não tem funcionado, resolver eventuais ruídos de relacionamento, e destrinchar os erros de processo e de análise do grupo. Esta reunião serve como catarse final após todos receberem suas avaliações por escrito de cada um dos outros membros da equipe. A chamamos de “lavagem de roupa suja”.
Para que a reflexão e o aprendizado sejam genuínos, a transparência e a confiança entre os membros da equipe de gestão têm que ser total. Essa é a hora em que todos precisam ser brutalmente honestos e falar exatamente o que estão pensando. Bonito na teoria, mas de difícil implementação.
Quando inauguramos esse modelo, há cerca de 10 anos, víamos que alguns integrantes saíam chateados e que os debates em certas situações eram exaustivos. Gradativamente, no entanto, criou-se a confiança de que os erros apontados não eram levantados para enfraquecer uma determinada pessoa, e sim para ajudá-la a progredir.
Hoje, chega a ser engraçado quando um novo membro participa pela primeira vez. Avisamos de antemão: “não se assuste se o negócio ficar um pouco quente, é assim mesmo que funciona.” Respeitosamente e sem melindres.
Concluído esse ritual de atrito produtivo, zeramos a pedra para o semestre seguinte. Com processos mais robustos e equipe mais entrosada, damos sequência ao nosso objetivo máximo: gerar o melhor resultado para os nossos cotistas, procurando sempre evitar riscos desnecessários e grandes perdas.
O hábito de debater erros e extrair aprendizados têm sido de grande importância para nossa jornada como investidores. Ainda assim, vemos que eles são encarados como tabus no mundo das finanças. Afinal, ninguém gosta de demonstrar fraqueza e de expor suas falhas aos holofotes. Mas são os tropeços, lições e cicatrizes que moldam uma cultura de investimentos. Não há progresso sem reflexão.
Aleatórias
“The first principle is that you must not fool yourself – and you are the easiest person to fool.”
– Richard Feynman
“I once had a ski instructor who had taught Michael Jordan, the greatest basketball player of all time, how to ski. He explained that Jordan enjoyed his mistakes and got the most out of them. At the start of high school, Jordan was an unimpressive basketball player; he became a champion because he loved using his mistakes to improve. Yet despite Jordan’s example and of countless other successful people, it is far more common for people to allow ego to stand in the way of learning.”
– Ray Dalio
“The humility required for good judgment is not self-doubt – the sense that you are untalented, unintelligent or unworthy. It is intellectual humility. It is a recognition that reality is profoundly complex, that seeing things clearly is a constant struggle when it can be done at all, and that human judgment must, therefore, be riddled with mistakes.”
– Charlie Munger
“(A reason for the sale of any common stock) is when a mistake has been made in the original purchase and it becomes increasingly clear that the factual background of the particular company is, by a significant margin, less favorable than originally believed. The proper handling of this type of situation is largely a matter of emotional self-control. To some degree it also depends upon the investor’s ability to be honest with himself.”
– Philip Fisher
“The most important thing to do if you find yourself in a hole is to stop digging.”
– Warren Buffett
“Any manager who has only successes to talk about is a charlatan or novice.”
– Richard Oldfield
“There’s only one absolute truth about investing. Charlie’s right: it isn’t easy.”
– Howard Marks
Notas de Rodapé
[1] PDM: Próximos doze meses. O EV/EBITDA da aquisição foi de 21x antes dos desinvestimentos necessários para a conclusão da operação.
[2] O plano de opções para a integração da SABMiller era de 16,4 milhões de opções (preço de exercício de €97,99) aos top 375 executivos baseado no crescimento de EBITDA. O plano de opções para crescimento era de 4,7 milhões de opções destinadas a 65 executivos, caso a companhia alcançasse receitas de US$ 100 bilhões entre os anos de 2020 e 2022.
[3] Participação de mercado medida por volume de vendas.
[4] A M.Dias pagou, em média, 1,7x receita (dos últimos 12 meses) nas suas aquisições desde o IPO, enquanto a aquisição da Piraquê foi por 2,2x receita.
[5] No Nordeste, por exemplo, o hábito de consumo de cream cracker no café da manhã é forte.
[6] Cabe lembrar que o trigo é uma commodity dolarizada e parte das dificuldades enfrentadas pela empresa vem da própria valorização do dólar frente ao real nesse período.
[7] Desconsiderando o caixa líquido do valor de mercado da companhia.
[8] Nesse período, as receitas de iPhone representavam 62% das receitas da Apple e os outros negócios, 38%.
[9] O IP Value Hedge detinha uma posição mais modesta, por volta de 2,5% do fundo.